domingo, 25 de janeiro de 2015

Quando a vida mostra vermelho directo



Numa hora estou a fazer as malas para Madrid, a combinar os últimos pormenores com os amigos para aquela que prometia ser uma passagem de ano de arromba. Tudo pronto para levantar voo. Pouco depois toca o telefone e dizem-me, do lado de lá, que o meu Pai "teve um acidente no trabalho", que caiu do alto dos seus quase dois metros e que não tem reacção. Entro no carro e conduzo ainda mais depressa do que num dia normal. Não me lembro do que vi durante o percurso, porque na realidade não via nada. Só me lembro de colar a mão na buzina, do barulho dos quatro piscas, da minha respiração ofegante, de quebrar todas as regras de trânsito, ultrapassando pela esquerda e pela direita. Estacionei o carro onde deu, corri desalmadamente até à Urgência. Pelo caminho torci um pé - que ainda hoje dói - mas continuei. Cheguei ao mesmo tempo que a ambulância. Foi o pior dia da minha vida. O dia em que realmente percebi que os Grandes também caem. Do nada. Sem aviso. E a vida não nos prepara para estes dias. Ninguém na escola nos ensina como lidar com esta dor, com a impotência de ver um ídolo deitado no chão.
Faz hoje 11 anos que Miklos Fehér, o então menino bonito da Luz, caiu no relvado do Vitória de Guimarães, na sequência de uma paragem cardíaca. "Ninguém esquece aquele momento, um cartão amarelo do árbitro, a seguir um sorriso completado com uma mão a soltar o cabelo, o inclinar com as mãos sobre os joelhos e o cair inanimado", recorda hoje o site oficial do Benfica, numa homenagem ao avançado húngaro que fez no Estádio D. Afonso Henriques a sua despedida do futebol e da vida. 
O Miki partiu cedo demais. Aos 24 anos a vida ainda vai na primeira parte e ninguém espera levar cartão vermelho directo, sem sequer ter direito a jogar o segundo tempo. O número 29 dos encarnados morreu a sorrir, enquanto o futebol chorava. E naquele dia em que o coração do jogador parou, também os adeptos perceberam - como eu - que os Grandes também caem. Felizmente, o meu Pai 'só' levou cartão amarelo da vida. Mas neste campeonato somos todos iguais. Seja Fehér, seja Ronaldo, seja Messi, seja do Benfica, seja do Porto, seja do Sporting. Seja o melhor do mundo, seja o pior. Quando é para cair, não há estatuto de estrela que evite a falta e a saída em maca. Há quatro anos que sorrio ainda mais, mesmo quando o destino entra a pés juntos ou quando me anulam um golo limpinho, limpinho. Oxalá ainda estejas a sorrir, Miki. Estejas onde estiveres. Hoje sorrio (também) por ti. 

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