quarta-feira, 5 de abril de 2017

Abanar não é cair. Ouviste, Jonas?

Dez anos não são 10 meses. Nem 10 dias. Quando um Jonas desgovernado vem contra nós de frente, de propósito, com a clara intenção de nos arrumar do jogo, a vida abana. Ficamos tontos, indignados com a pancada e, por momentos, quase nos apetece cair. Por momentos ficamos cegos. Com raiva. Por momentos - repito - quase nos apetece cair. Mas depois recuperamos a consciência. Voltamos a respirar. Ficamos de pé. Não temos 1,90 metros e 105kg. Mas (também) não somos fáceis de derrubar. 

Na vida há quem jogue para o empate. Quem festeje um 1-1 como se de uma vitória se tratasse. Mas empatar é atrasar. Às vezes é mesmo preciso perder para depois se ganhar. O cronómetro marca 10 anos de jogo. Seguimos em frente. Com nódoas negras. Com a alma e o coração mancos. Embalados pelas pancadinhas nas costas de quem nos diz que fizemos um campeonato do caraças mas que temos de sair do campo. Nós e os outros como nós. Mas abanar não é cair. Ouviste, Jonas? 

quinta-feira, 23 de março de 2017

"Mourinho? I used to love him, not anymore!"

Na passada segunda-feira, em Stamford Bridge, ouvi uma portuguesa perguntar ao funcionário da loja oficial do Chelsea se tinha algum artigo relacionado com Mourinho. Uma camisola, um pin, um íman, um cachecol, anything. A resposta foi imediata: "Mourinho? I used to love him, not anymore! Maybe you should try in Manchester...". Ainda assim, num dos muros que rodeiam o estádio do clube, persiste uma fotografia gigante do outrora Special One, agora Judas. 


Adepto de futebol tem quase sempre memória curta. Ou pelo menos selectiva. Tal como nesta fotografia, há poucos dias Mourinho esticou três dedos para as bancadas e recordou aos adeptos do Chelsea que foram três os títulos de campeão que para eles conquistou. Blue was the colour, but football is the game. 

Amor e ódio andam de mãos dadas no futebol inglês e nas ruas. Dois dias antes do atentado na ponte de Westminster também eu parei a meio do tabuleiro para tirar selfies com o Big Ben, como tantos outros que ontem por lá passavam e foram atropelados por um ódio cego de um Judas (esse sim) que nasceu no Reino Unido. Pessoas que, como eu, em dia de aniversário, estavam de bem com a vida e com o mundo. Até que tudo mudou. Mais depressa do que a roda-gigante London Eye deu a volta...

Volto à resposta do funcionário do Chelsea: "Mourinho? I used to love him, not anymore!". A ambivalência emocional, afectiva, sobretudo no futebol, é completamente normal. 'Ódio' eterno aos clubes rivais e aos 'peseteros' desta vida. Já para o terrorismo não há explicação. Não há nem pode haver. 



quarta-feira, 18 de maio de 2016

A fila anda

Hoje foi mais um dia de trânsito caótico na VCI. Lado a lado, condutores desesperados tentam furar por onde podem, trocando entre as faixas da direita e da esquerda, para ver se chegam mais depressa ao destino. Há também quem opte por ficar sempre na faixa do meio, quase estacionados e sem reacção. São os conformados. São os que preferem não arriscar, com medo que a fila onde estavam antes parados passe depois a andar. Mas a fila anda para todos. Pode demorar minutos, horas. Mas acaba por andar. 

No futebol como na VCI, a fila lá vai andando. E hoje até foi dia de algumas movimentações: Sérgio Conceição deixa o comando do Vitória de Guimarães, Sanchez renova com o Boavista, Álvaro Magalhães vai treinar o Gil Vicente, Petit renova com o Tondela, Quim Machado deixa o Vitória de Setúbal. Só ainda não se sabe - embora muito se especule - se para Jorge Jesus a fila também vai andar já outra vez. Se fica na faixa do meio da Segunda Circular, parado em Alvalade, ou se ultrapassa pela direita e, por atalhos e contra-ordenações, ruma ao Porto, onde o sinaleiro e amigo Pinto da Costa lhe promete arranjar uma faixa especial, daquelas tipo BUS, que o faça chegar depressa ao tão desejado título de campeão que, por pouco, não conseguiu conquistar no Sporting esta época.

O presidente sportinguista, Bruno de Carvalho, disse hoje estar orgulhoso da equipa, apesar de não terem terminado a Liga em primeiro lugar, acrescentando mesmo que "é uma questão de tempo" até que o clube volte a ser "feliz". "Triste", mas "orgulhoso", até porque, diz Bruno de Carvalho, "o grande Sporting veio para ficar". Só não saberá Bruno é se o actual treinador fica. É que, repito, Jorge Jesus também já é experiente em driblar o trânsito em Lisboa e os condutores benfiquistas ainda não devem ter esquecido quando ele ignorou todas as regras e usou a berma para atalhar caminho. 

Quando se mudou para Alvalade, Jesus chorou e disse ter chegado a casa, para treinar o clube do coração. Talvez queira, para já, continuar em casa e persistir até ser campeão pelo Sporting. Porque pelo Benfica já foi. Ou talvez queira abalar já para o Dragão, aliciado com a promessa de um plantel de luxo. 

Para mim, sempre fez sentido (e faz cada vez mais) aquela frase que nos habituámos a ouvir em filmes, em anúncios publicitários ou até mesmo a ler em canecas e t-shirts um pouco por todo o mundo: "Home is where your heart is". Que, em Português, significa - mais coisa menos coisa - que o nosso lar é onde o nosso coração está. Onde a nossa família, onde o (nosso) amor está. Casas há em todo o lado. Lar só há um. Mas o que vale para mim pode não valer para Jorge Jesus. E na tradução livre do treinador sportinguista, aquela frase pode muito bem querer dizer outra coisa. O lar, o coração de Jesus até podem estar em Alvalade. Mas o Porto até tem casas bem bonitas, com Boas Vistas. "Home is where the money is" ou "Home is where the first place is" podem muito bem ser interpretações feitas pelo ainda técnico dos leões para aquela frase. Até porque toda a gente sabe que Jesus não é propriamente um 'expert' em Inglês. Mas o que é certo é que, para ele, a fila anda sempre. E sempre na direcção que ele escolhe. 






quinta-feira, 12 de maio de 2016

Que alguém festeje um golo como se fosse a última coisa que faz na vida

Morando a 300 km de distância das duas únicas equipas que lutaram por este campeonato, no Porto, este ano, o futebol não mexe. Só arrefece. Entristece. Desilude. Ganhe quem ganhar este fim-de-semana, que nas bancadas alguém me recorde como o futebol é fé, é vida, é alegria, é magia. Que alguém festeje um golo como se fosse a última coisa que faz na vida. Ganhe o Benfica ou ganhe o Sporting. Que ganhe 'o' futebol que já me fez chorar assim (como neste vídeo), de joelhos, junto ao relvado, em vitórias improváveis e quase impossíveis.

A Grandeza do Futebol

domingo, 12 de julho de 2015

Iker vem para jogar. E tu, Helton? Ficas a tocar guitarra?

Quando começaram os rumores de que Iker Casillas podia trocar Madrid pelo Porto, confesso que pensei: "mais vale mudarem o nome do clube para Lar de Idosos das Antas". Contratar um guarda-redes com 34 anos é uma jogada arriscada. Há demasiados remendos nos joelhos, há reflexos mais lentos, há - no caso de Casillas - o peso de muitas polémicas no Real Madrid. 

Iker não tem 20 e poucos anos como a maioria dos jogadores que o FC Porto costuma ir buscar. Iker não é um desconhecido que chega anónimo por meia dúzia de tostões e sai das Antas com nome feito e a lucrar milhões. Iker é sinónimo de campeão do mundo. Não usa fralda nem mama no biberão. Não precisa de dar a mão para atravessar a rua. Não precisa ter o nome nas costas para que saibam o nome dele. Iker Casillas não é um menino, mas é o ídolo de muitos em Espanha. Foram 25 anos a defender a baliza do Real Madrid, desde os nove anos de idade. Ganhou tudo que havia para ganhar. Hoje emocionou-se e chorou na conferência de imprensa de despedida do clube espanhol. Sozinho.

O que menos me importa nesta história é saber se a Sara Carbonero pega no conjunto de malas Louis Vuitton e segue a galinha dos ovos de ouro até à Invicta. Por qué no te callas? Não, o Porto não é Madrid, Sara. O Porto é diferente. Na Invicta arregaçamos as mangas e trabalhamos muito. Não há tempo para siestas nem paciência para aturar meninas bonitas mimadas. Aqui, quando alguém se arma em vedeta, a malta pega em pás e picaretas e manda-os trabalhar. No Porto não temos tapas na mesa, mas damos tapas na cara. Fica em Madrid, Sara. Não é o Porto que não está à tua altura. És tu que não estás à altura do Porto. Também não temos paciência para aturar mães que insultam o novo patrão do filho, mesmo sabendo que o anterior já não o queria e tudo fez para se livrar dele. Iker Casillas está rodeado de gente ingrata e, ainda assim, mostrou gratidão na partida prometendo gritar 'Hala Madrid' em Portugal como em Espanha. É preciso ser homem.

Agora que está tudo azul no branco e que o Estádio do Dragão é de certeza a nova casa do portero espanhol, arrependo-me de ter pensado que Iker Casillas é velho. É maduro, tem marcas do tempo, passeia experiência e tem ainda muito para dar ao futebol. E se quem sabe nunca esquece, estou certa de que irá desviar para fora os ataques dos rivais do seu novo clube. Aqueles, de memórias curtas, que agora gozam com a sua contratação. É que "de Espanha nem bons ventos nem bons casamentos" e tão infeliz que foi a união de um também guarda-redes espanhol com outro clube português que não o FC Porto. Roberto não deixou saudades por cá. Já Helton vai de certeza deixar, se for atirado para o banco, ainda que as últimas épocas não tenham sido felizes para o jogador brasileiro. Há poucos dias (ou)vi o guarda-redes portista dar música à Afurada, ao lado de Gabriel o Pensador. Em palco, Helton fala mais do que canta. "Vamo tirar uma serfie?" (dito assim mesmo), perguntou várias vezes ao público. Brinca muito o brasileiro. E agora tem também mais meninos para brincar e jogar à bola no recreio do Dragão. Iker vem para jogar. E tu, Helton? Ficas a tocar guitarra?

terça-feira, 31 de março de 2015

Pinto da Costa não está xexé

Afinal, Pinto da Costa não está xexé. Se na semana passada havia dúvidas, depois de o presidente portista ter aparecido numa fotografia ao lado do neto Nuno em estilo rapper, ontem Pinto da Costa mostrou que ainda manda no gang azul e branco. Se na semana passada o líder dos dragões foi avô e desesperou portistas pelas 'figuras' que fez - e deliciou benfiquistas e sportinguistas que de imediato pensaram que Pinto da Costa estava, finalmente, lelé das ideias - ontem o presidente foi, uma vez mais, um homem de família e passou a mensagem de que ainda é ele que manda no Dragão.
Quem ontem deu uma entrevista à televisão do clube foi na realidade Julen Lopetegui, mas o discurso certinho e ensaiado não é do treinador. O espanhol deu a cara e a voz, mas as palavras e a mensagem vieram de cima. Na realidade, foi Pinto da Costa quem disse aos adeptos para acreditarem no título até ao fim e que da força deles precisam para se levantarem depois de terem tropeçado nos próprios pés na Madeira. Foi Pinto da Costa que defendeu o cigano e revelou o orgulho que sente num Quaresma cada vez mais completo e jogador de equipa. Foi também Pinto da Costa que avisou os árbitros que não podem decidir jogos e campeonatos e que falou em erros graves. Da cabeça de Lopetegui creio que as únicas respostas foram só mesmo as que deu à (sempre) tão falada questão da rotatividade de jogadores, defendendo-se - e aqui sim, na primeira pessoa - com o facto de o FC Porto estar ainda em mais do que uma frente, especialmente na Champions.
Pinto da Costa já não vai para novo. Os portistas temem o futuro e estão carecas de saber que dificilmente o clube voltará a ter um presidente assim. Mas a verdade é que, aos 77 anos de idade, Jorge Nuno continua a fazer o que quer. Sem ter medo de parecer gagá. "Largos Dias Têm 100 Anos". Cancelem o internamento na ala de psiquiatria do Magalhães de Lemos. O Rei está vivo. De vez em quando anda nu. Mas está vivo.





sexta-feira, 13 de março de 2015

Olá, o meu nome é Raquel e sou viciada em futebol

Lotação esgotada amanhã na Luz para receber o Braga. "É o poder do Benfica. Não há muitos clubes que consigam encher o estádio como o Benfica faz", diz Jorge Jesus. Se calhar o facto de a Primavera andar no ar, de o jogo ser num sábado às 17h e de os encarnados estarem em primeiro lugar na Liga também ajuda. Digo eu. Pode muito bem ser "o poder do Benfica". Não duvido. Mas é, sobretudo, o poder do futebol. O poder que leva alguém a um estádio para ver 22 homens a correr atrás de uma bola. Que leva alguém a vibrar, a enervar-se, a sofrer, a rir, a festejar, a chorar com os resultados. Que leva alguém a sair de casa, muitas vezes à noite - porque a transmissão televisiva assim o obriga - ao frio, à chuva. O poder que leva alguém a temer o pior e a desejar o melhor quando um daqueles homens cai em campo, inanimado, como aconteceu na última terça-feira com o Danilo no Dragão. Como se de um familiar se tratasse, o adepto sofre, chora, (des)espera por boas notícias, reza. 
Os estádios não andam cheios em Portugal. Na I Liga não andam. Seja porque o bilhete é caro, porque no fim ganham sempre os mesmos, porque a equipa não cativa, porque os resultados não entusiasmam, porque o jogo até dá na televisão. Na maioria das vezes as bancadas não estão repletas. Mas quando o estádio enche há magia no ar. Uma magia que se vê e que se sente. Esta semana vi (e senti) duas vezes essa magia. No Porto-Basileia, vi um Dragão cheio a vibrar (ainda) com o hino da Champions, com golos de outro mundo que fizeram levantar o estádio. Antes disso, num Varzim-Famalicão, recordei-me do verdadeiro significado do futebol: alma. 
Na Póvoa, recuei no tempo e vi garra, vi amor, vi paixão, vi raiva, vi ânimo, vi alegria. É certo que tudo isto também há na I Liga. Mas os jogadores estão 'longe' das bancadas e não sentem o adepto anónimo, só ouvem as claques. Há futebol além da I Liga. E, a dois metros do relvado, vemos avós equipadas a rigor que gritam e dizem palavrões que nunca ouvimos na vida, que "já entraram em campo para dar no focinho a um árbitro". De manhã foram à missa e à tarde vão à bola, que os maridos já se foram ou nunca chegaram e o casamento com o futebol é até que a morte os separe. "Até debaixo da terra". A um metro dos suplentes que fazem o aquecimento, vemos homens de muletas que, num lance mais controverso, se esquecem do pé partido e erguem a dita cuja em jeito de ameaça. Vemos bebés a gatinhar no cimento, vemos as 'tias' da terra nos camarotes do sítio, todas emperiquitadas, vemos putos vidrados no jogo e a sonhar estar do lado de lá um dia. Numa divisão que não a primeira, vemos mas, sobretudo, ouvimos. Aqui não há silêncios nem ninguém sai 10 minutos antes do jogo acabar para não apanhar trânsito. Aqui grita-se tanto que se ouve na freguesia vizinha, protesta-se, entra-se - literalmente - em campo. "A moina não manda aqui" e nem a autoridade os impede de descer das bancadas, num efeito 'arrastão', e de só parar no relvado. 
Futebol é mesmo alma. É acompanhar a equipa em casa e fora, mesmo sem ser da claque. É ter a coragem de aparecer mesmo quando os pontos não aumentam na tabela. É praguejar, barafustar, acreditar. É calor quando está frio, é tradição, é História. Futebol é ir com a família inteira ao estádio - vai o avô, a avó, o marido, a mulher e até a filha, de caderno na mão a fazer o TPC no intervalo - e só não vai o cão, o gato e o periquito porque não calha. Futebol é ter uma mão no ar e outra na bifana, com a gordura a escorrer e a sujar o fato-de-treino tactel. Futebol é Património, é herança que se passa aos filhos. E, por isso, adianto serviço e deixo já aqui escrito, neste testamento, para alguém ler no dia em que deixar de jogar neste campeonato: a quem me amou, deixo a paixão pelo futebol, deixo a alegria de gritar golo, de me agarrar às redes, deixo a dor de chorar e lamentar o acaso, a sorte de festejar campeonatos nacionais, taças UEFA e Liga dos Campeões, de conhecer estádios cá dentro e fora de portas. Deixo um amor que nunca corre o risco de ser ameaçado por um amante, deixo a raça, deixo a atitude, deixo as borboletas na barriga em dias de jogo grande, mesmo quando o jogo é entre pequenos. Deixo o olhar de menina que, armada em rapaz, aproveitava os 'feriados' e os intervalos na escola para, também ela, correr atrás de uma bola e ser feliz. Deixo parte de mim.