terça-feira, 31 de março de 2015

Pinto da Costa não está xexé

Afinal, Pinto da Costa não está xexé. Se na semana passada havia dúvidas, depois de o presidente portista ter aparecido numa fotografia ao lado do neto Nuno em estilo rapper, ontem Pinto da Costa mostrou que ainda manda no gang azul e branco. Se na semana passada o líder dos dragões foi avô e desesperou portistas pelas 'figuras' que fez - e deliciou benfiquistas e sportinguistas que de imediato pensaram que Pinto da Costa estava, finalmente, lelé das ideias - ontem o presidente foi, uma vez mais, um homem de família e passou a mensagem de que ainda é ele que manda no Dragão.
Quem ontem deu uma entrevista à televisão do clube foi na realidade Julen Lopetegui, mas o discurso certinho e ensaiado não é do treinador. O espanhol deu a cara e a voz, mas as palavras e a mensagem vieram de cima. Na realidade, foi Pinto da Costa quem disse aos adeptos para acreditarem no título até ao fim e que da força deles precisam para se levantarem depois de terem tropeçado nos próprios pés na Madeira. Foi Pinto da Costa que defendeu o cigano e revelou o orgulho que sente num Quaresma cada vez mais completo e jogador de equipa. Foi também Pinto da Costa que avisou os árbitros que não podem decidir jogos e campeonatos e que falou em erros graves. Da cabeça de Lopetegui creio que as únicas respostas foram só mesmo as que deu à (sempre) tão falada questão da rotatividade de jogadores, defendendo-se - e aqui sim, na primeira pessoa - com o facto de o FC Porto estar ainda em mais do que uma frente, especialmente na Champions.
Pinto da Costa já não vai para novo. Os portistas temem o futuro e estão carecas de saber que dificilmente o clube voltará a ter um presidente assim. Mas a verdade é que, aos 77 anos de idade, Jorge Nuno continua a fazer o que quer. Sem ter medo de parecer gagá. "Largos Dias Têm 100 Anos". Cancelem o internamento na ala de psiquiatria do Magalhães de Lemos. O Rei está vivo. De vez em quando anda nu. Mas está vivo.





sexta-feira, 13 de março de 2015

Olá, o meu nome é Raquel e sou viciada em futebol

Lotação esgotada amanhã na Luz para receber o Braga. "É o poder do Benfica. Não há muitos clubes que consigam encher o estádio como o Benfica faz", diz Jorge Jesus. Se calhar o facto de a Primavera andar no ar, de o jogo ser num sábado às 17h e de os encarnados estarem em primeiro lugar na Liga também ajuda. Digo eu. Pode muito bem ser "o poder do Benfica". Não duvido. Mas é, sobretudo, o poder do futebol. O poder que leva alguém a um estádio para ver 22 homens a correr atrás de uma bola. Que leva alguém a vibrar, a enervar-se, a sofrer, a rir, a festejar, a chorar com os resultados. Que leva alguém a sair de casa, muitas vezes à noite - porque a transmissão televisiva assim o obriga - ao frio, à chuva. O poder que leva alguém a temer o pior e a desejar o melhor quando um daqueles homens cai em campo, inanimado, como aconteceu na última terça-feira com o Danilo no Dragão. Como se de um familiar se tratasse, o adepto sofre, chora, (des)espera por boas notícias, reza. 
Os estádios não andam cheios em Portugal. Na I Liga não andam. Seja porque o bilhete é caro, porque no fim ganham sempre os mesmos, porque a equipa não cativa, porque os resultados não entusiasmam, porque o jogo até dá na televisão. Na maioria das vezes as bancadas não estão repletas. Mas quando o estádio enche há magia no ar. Uma magia que se vê e que se sente. Esta semana vi (e senti) duas vezes essa magia. No Porto-Basileia, vi um Dragão cheio a vibrar (ainda) com o hino da Champions, com golos de outro mundo que fizeram levantar o estádio. Antes disso, num Varzim-Famalicão, recordei-me do verdadeiro significado do futebol: alma. 
Na Póvoa, recuei no tempo e vi garra, vi amor, vi paixão, vi raiva, vi ânimo, vi alegria. É certo que tudo isto também há na I Liga. Mas os jogadores estão 'longe' das bancadas e não sentem o adepto anónimo, só ouvem as claques. Há futebol além da I Liga. E, a dois metros do relvado, vemos avós equipadas a rigor que gritam e dizem palavrões que nunca ouvimos na vida, que "já entraram em campo para dar no focinho a um árbitro". De manhã foram à missa e à tarde vão à bola, que os maridos já se foram ou nunca chegaram e o casamento com o futebol é até que a morte os separe. "Até debaixo da terra". A um metro dos suplentes que fazem o aquecimento, vemos homens de muletas que, num lance mais controverso, se esquecem do pé partido e erguem a dita cuja em jeito de ameaça. Vemos bebés a gatinhar no cimento, vemos as 'tias' da terra nos camarotes do sítio, todas emperiquitadas, vemos putos vidrados no jogo e a sonhar estar do lado de lá um dia. Numa divisão que não a primeira, vemos mas, sobretudo, ouvimos. Aqui não há silêncios nem ninguém sai 10 minutos antes do jogo acabar para não apanhar trânsito. Aqui grita-se tanto que se ouve na freguesia vizinha, protesta-se, entra-se - literalmente - em campo. "A moina não manda aqui" e nem a autoridade os impede de descer das bancadas, num efeito 'arrastão', e de só parar no relvado. 
Futebol é mesmo alma. É acompanhar a equipa em casa e fora, mesmo sem ser da claque. É ter a coragem de aparecer mesmo quando os pontos não aumentam na tabela. É praguejar, barafustar, acreditar. É calor quando está frio, é tradição, é História. Futebol é ir com a família inteira ao estádio - vai o avô, a avó, o marido, a mulher e até a filha, de caderno na mão a fazer o TPC no intervalo - e só não vai o cão, o gato e o periquito porque não calha. Futebol é ter uma mão no ar e outra na bifana, com a gordura a escorrer e a sujar o fato-de-treino tactel. Futebol é Património, é herança que se passa aos filhos. E, por isso, adianto serviço e deixo já aqui escrito, neste testamento, para alguém ler no dia em que deixar de jogar neste campeonato: a quem me amou, deixo a paixão pelo futebol, deixo a alegria de gritar golo, de me agarrar às redes, deixo a dor de chorar e lamentar o acaso, a sorte de festejar campeonatos nacionais, taças UEFA e Liga dos Campeões, de conhecer estádios cá dentro e fora de portas. Deixo um amor que nunca corre o risco de ser ameaçado por um amante, deixo a raça, deixo a atitude, deixo as borboletas na barriga em dias de jogo grande, mesmo quando o jogo é entre pequenos. Deixo o olhar de menina que, armada em rapaz, aproveitava os 'feriados' e os intervalos na escola para, também ela, correr atrás de uma bola e ser feliz. Deixo parte de mim.